quinta-feira, novembro 27, 2003

Mar

Estranha nação esta, cercada por mar, mas sem pescadores ou marinheiros, cercada por terras de Espanha, mas olhando-as de lado, com a sobranceria de um pequeno rafeiro.

Estranho cu de Judas este, invadido por todos os vizinhos, que lhe querem bem, claro. Pelos nossos hermanos, porque si; por aqueles de quem importámos a matriz cultural, porquoi pas, já que estamos aqui; e pela mais velha aliada, em tons pink.

Estranho povo, sem glória nem memória, fanfarrão na cantiga, cobarde no risco, fácil no ranho e alarve nos modos. Choldra desprezada por quem o governa. Choldra desprezível que o governa.

O Mar. Heróis do mar? Não, acabaram, eram outros. Agora só há patinhos na banheira. Foi o mar que nos fez diferentes. É a ausência de mar que faz de Portugal uma cópia barata dos modelos que quer imitar. País marca branca, made in Taiwan.

Marinha. País de marinheiros sem barcos, mas com submarinos para brincadeiras de guerra estúpidas. O inimigo de hoje chama-se Prestige, e não se combate com submarinos.

O mar azul de ontem passou hoje a relva verde, a onda fez-se ola, os dragões são outros. Do Cacém vê-se a bola, não se vê o mar. Grande Cacém é este país.

terça-feira, novembro 25, 2003

Escrever para quê?

A aversão das nossas elites à concorrência aparece inopinadamente onde menos se espera. E, na verdade, também onde mais se espera. Tomemos como exemplo o Flor de Obsessão. Pedro Lomba, num dos últimos posts, resolveu assumir a defesa da classe dos escritores consagrados contra o vil assalto de "aspirantes", de uma forma tão tipicamente corporativa como, sei lá, o bastonário da Ordem dos Médicos utilizaria se o governo anunciasse aumento de vagas para medicina (o quê? A sério? Ele disse isso?).

Para Pedro Lomba, os "aspirantes" só podem ter três aspirações, nenhuma delas legítima aos seus olhos. As motivações nobres aparentemente apenas florescem entre os reconhecidos e os consagrados, de preferência amigos. Para Pedro Lomba, os verdadeiros escritores são criaturas completamente irrascíveis, sem quaisquer comportamentos sociais dignos, que ele tem a cruz de aturar, sofridamente. Boas pessoas, que ajudam as velhinhas a atravessar a estrada, nunca serão escritores, pelo que devem desde já desistir de tais veleidades.

Eu, pobre de mim, que apenas aspiro a escrever com um número aceitável de erros, tenho uma visão muito mais popular. Acredito que o livre acesso à produção literária aumentará globalmente o número de leitores (o que, desculpem, parece desejável) e que à maior quantidade de praticantes corresponderá a um maior número de resultados interessantes. E talvez possamos, mutatis mutandis, acreditar que, se as drogas leves levam às drogas duras, também a literatura light poderá levar à redenção da literatura calórica.

"Ninguém nos manda ler Lermontov. Isso não faz de nós pessoas melhores ou 'pessoas especiais'. Nenhum nimbo de superioridade. Nenhuma pureza. Quem não lê está no seu direito. Se calhar, até está melhor." Lomba dixit. Cof, cof, cof. Estes ataques de tosse ainda acabam comigo. Variação do "Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso (...)". Pobre de quem pensa...

sexta-feira, novembro 21, 2003

Petição Contra a Pontualidade (um protesto atrasado)

Um dos nossos problemas como nação é a falta de respeito pelos nossos próprios hábitos e costumes. Julgamos que tudo o que é estrangeiro é melhor (excepto se for espanhol), o que muitas vezes se revela um juízo precipitado.

A importação de modelos estangeiros é errada, porque vai contra a a nossa maneira mais intrínseca de ser e de fazer. Quando imitamos, imitamos mal. Nunca seremos bons fazendo mal o que os outros fazem bem. A nossa diferenciação tem de partir da análise séria das nossas verdadeiras vantagens competitivas.

Temos de assumir que, na perspectiva do modelo de desenvolvimento europeu, a forma de ser portuguesa tem muitos defeitos. Alguns são definitivamente inaproveitáveis. Outros podem tornar-se na nossa diferença, a nossa marca específica.

A petição pela criação de um ano da Pontualidade, actualmente a decorrer assume, erradamente, que seremos melhores se formos pontuais. Mas podemos competir com ingleses e alemães, por exemplo, no campeonato da pontualidade? Alguém acredita nisso? Ou é mais fácil acreditar que desceríamos de divisão na primeira oportunidade?

Não ser pontual é não ser escravo do tempo e das circunstâncias. Não ser escravo do tempo é uma manifestação de qualidade de vida. Quem pode ser pontual nestes dias de sol de Novembro? Os alemães, escandinavos e outros quejandos, amarrados ao seu eterno tic-tac, tic-tac (reparem como a fonética é semelhante a diktat), nunca poderão almoçar num dia de trabalho numa esplanada ao sol de Novembro. Deixem-nos lá, coitados, com a sua tralha, os seus Volvos, os seus Mercedes. Isso compra-se.

Não se compra o sol.

quinta-feira, novembro 20, 2003

A tragédia de um homem sem carro

O meu carro está na oficina. Isto significa que tenho as seguintes opções de transporte para o emprego:

- A pé: 50 minutos;
- Autocarro: 45 minutos (não há transporte directo);
- Boleia de colegas: 8 minutos (demasiado fácil);

Saio de casa com grandes propósitos (caminhar, ar puro, exercício, ecologia) e opto por ir a pé. Uma das ruas por onde vou não tem passeio e, por absurdo que pareça, não há alternativas com passeio (cortesia da câmara). Deste modo, sujeito-me a ser atropelado e não me livro de ser fumador passivo hardcore por via dos tubos de escape. Encontro no chão dezenas de mensagens "Fumar Mata". E o ridículo devia.

Amanhã volto ao meu carrinho, curado desta pequena deriva ecológica.

Napoleão em Londres

Esta sequência do Mata-Mouros é divertidíssima e proponho-a desde já para o prémio semanal de Humor do próprio Mata-Mouros:

Dia 1: "(...) as esperadas manifestações de desagrado pela presença de George Bush no Reino Unido atingiram o número record de 200 pessoas. 200 almas, apenas."

Dia 2: "Afinal são milhares. Mas ninguém se atreve, por enquanto, a dizer quantos (1, 5, 50, 100??)."

Dia 3: "Às claras. Ok, admitamos que foram 100.000 ou mais."

Fez-me recordar a famosa descrição do regresso de Napoleão no "Le Moniteur" em Março de 1815:

« L’anthropophage est sorti de son repaire… »
« L’ogre de Corse vient de débarquer au golfe Juan. »
« Le tigre est arrivé à Gap. »
« Le monstre a couché à Grenoble. »
« Le tyran a traversé Lyon. »
« L’usurpateur a été vu à soixante lieues de la capitale. »
« Bonaparte avance à grands pas. »
« Napoléon sera demain sous nos remparts. »
« L’Empereur est arrivé à Fontainebleau. »
« Sa Majesté Impériale a fait son entrée hier à Paris. »

Claro que o Mata-Mouros ainda está nos primeiros níveis, mas, se continuar a jogar assim, vai tornar-se um mestre. Dêem-lhe tempo.

Ratoeiras

A Câmara Municipal de Oeiras tem um Programa de Controlo Biológico de Roedores, isto é, usa gatos para caçar ratos. Eu, aqui do meu espaço virtual de interacção multidimensional global (o meu blog), aprovo totalmente.

terça-feira, novembro 18, 2003

Homem / Máquina: a mais velha discussão do mundo

Uma pequena reflexão maquinal sobre a questão actual do Abrupto:

O homem é um animal racional, pensamos nós desde a Grécia. Se é o "racional" que nos diferencia dos outros animais, não deixa de ser com uma saborosa ironia que vemos o racional como a primeira vítima séria do assalto dos computadores (os trabalhos físicos e os repetitivos são irrelevantes para o caso).

Depois seguir-se-á a modelação dos comportamentos e afectos que temos em comum com os restantes animais e, finalmente, as emoções especificamente humanas (o humor, por exemplo).

A pergunta última é, obviamente, se, e quando, as máquinas atingirão a auto-consciência. Primeiro teremos que definir o conceito de auto-consciência e como se atinge.

Eis uma agenda preenchida para os próximos decénios.

(Sinceramente, penso que a espécie acaba antes disso.)

Um dia destes...

Um dia destes, pensando bem, é igual a um dia dos outros.

Um dia destes...

Um dia destes direi não. Direi não a dizer não. A subversão total começa pelo mais pequeno dos passos.

segunda-feira, novembro 17, 2003

Lorem ipsum

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Sim, mas...

Google search

Não percebo, de facto, como certas pesquisas chegam a este blog. Eis alguns exemplos e o post que aparentemente mais se aproxima da pesquisa:

* Símbolo fumar: aqui, sem desenhos
* Letra fado amantes separados: não faço ideia (mas acho que é "amantes desunidos")
* Foto poluição tubos de escape carro: não faço ideia
* Iogurtes: aqui
* Relógios alemães elysee: ????
* Fumar bongo: ????
* Orgulho de ser portugues: lamento, mas aqui não existem posts sobre este tema nem me parece que venha a escrever algum
* Cheesecake receita em português: não faço ideia
* Comércio mirtilo portugal: não faço ideia
* Agualva Cacém emprego: não faço ideia
* Urinol original: aqui e aqui
* Cobradores do fraque: aqui
* Babes brasileiras de novelas: aqui?
* Designers de quebra nozes: não faço ideia
* Mapa Ranholas: não faço ideia

sexta-feira, novembro 14, 2003

The Casa Pia Study

O Casa Pia Study é um estudo de psicologia clínica patrocinado pelo Estado português que procura examinar os efeitos psicológicos de longo prazo, em crianças, de práticas sexuais não desejadas com adultos.

Metodologia: O estudo decorre em várias fases. A chamada Phase I, agora a terminar, teve uma duração de vários anos, e consistiu na prática sexual num meio ambiente discreto, o que permitiu avaliar o seu impacto sem variáveis espúrias. Estamos neste momento na Phase IIa, em que os sujeitos em estudo são expostos a um ambiente turbulento e de forte pressão da comunicação social, e onde os adultos eventualmente utilizados no estudo são detidos. A Phase IIb avalia o impacto psicológico dos julgamentos e decorrerá a prazo, embora possa ser cancelada.

Os resultados obtidos até agora são consistentes com outros estudos efectuados, nomeadamente na Bélgica e nos Estados Unidos. Pela dimensão da amostra, impossível de obter em outros países ocidentais, os resultados são mais claros e fiáveis.

A amplitude do Estudo Casa Pia gera um avanço notável nesta área científica. As suas conclusões permitirão a cientistas, pedopsicólogos e psicólogos ajustar as suas práticas terapêuticas quando acompanhando crianças ou adultos que foram sujeitas a estas práticas em algum período da sua vida. As crianças da Casa Pia, bem como o Estado português prestam assim serviço inestimável à ciência que deverá ser louvado por todos os países desenvolvidos.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Projecto renovar os subúrbios 5: Estantes


Tangram T21 Lago Design


Projecto renovar os subúrbios 4: Armário


Mark Brazier-Jones, Viceroy Cabinet


Projecto renovar os subúrbios 3: Uma cama das 1001 noites (sort of...)


Bedouin Bed interiorInternet.com

Projecto renovar os subúrbios 2: Um sofá boa (uma boa no sofá?)


Sofá Boa, Edra Design

quarta-feira, novembro 12, 2003

Projecto renovar os subúrbios 1: Uma cadeira kinky


Mark Brazier-Jones, Lunar chair

terça-feira, novembro 11, 2003

E agora, uma mensagem dos nossos anunciantes

Sente que o estão sempre a empurrar? Que não lhe dão espaço? Não tem lugar para o seu carro perto de casa, nem perto do emprego, nem no IC 19? Sufoca no seu T2? O seu cubículo do emprego, cientificamente desenhado, não lhe permite esticar as pernas? Projecta engordar para ter mais espaço para si?

Sabemos muito bem como se sente. Venha conhecer as nossas soluções de espaço. Temos um leque de 300 freguesias com menos de dez pessoas por quilómetro quadrado. Dez pessoas! Calcule só quantas freguesias poderia criar no seu prédio!

Se optar pelo nosso produto premium, tem trinta e duas opções para se instalar. Neste caso a sua família terá um maravilhoso quilómetro quadrado em exclusivo!

Mas se prefere mesmo estar sozinho, temos ainda quatro opções com menos de duas pessoas por quilómetro quadrado. Veja! Um quilómetro quadrado só para si!

Se pensa que a densidade populacional esconde verdadeiros magotes, desengane-se. Tome a maravilhosa Bigorne: só trinta e nove pessoas (e tudo velho, em poucos anos será presidente da junta). Ou a famosa Vale de Coelha: 48 habitantes and counting down. Ou Granjinha, Vale das Éguas, Soutelo Mourisco...

Por isso, se mora em Agualva-Cacém e já não suporta os seus oitenta mil vizinhos, contacte-nos.

Dê espaço à sua vida. Dê vida ao seu espaço.

domingo, novembro 09, 2003

Lost in translation

Os heróis dos lagos,
o homem de nobre,
o onsterfelijkes,
os nações de dapperes,
o aumento da recompensa da viagem uma
uma beleza de apoio do Portugal!
Isso entre o nevoeiro da memória
tem que isso ouve, que ele é?
O país de inato é, se o caminhão pequeno que ele das avós vota
a universidade de egrégios que na vitória indica!

Nos braços nos braços!
O nobleman um o país no lago.
Nos braços nos braços!
Do golpe de inato do país!
Contra a arma de fogo de a pedaços vai gaaat-o!

Com o devido respeito, levei "A Portuguesa" a dar uma volta pela Europa em tradução. Vejam o estado miserável em que a pobrezinha chegou! Não diz coisa com coisa (o que, diga-se em abono da verdade, não é novidade), ficou com tiques de emigrante e, globalmente, sai claramente menorizada e com esgares lunáticos.

Vamos rezar por ela: Nosso partido dos pais, isso foram estados na aérea Santificada, isso é pessoa dita, que eles vêem-nos que que seus reinos informam a ele seu tornou-se, perdoa come como estes na campina eu no ar O pão, que o de nós para cada dia em perdoar, isso então hoje em ele que nossa infração, tem assim como nós, o insulta-nos nosso libertaria E não Alugado sai de vallen Em ele Na tentação não obstante no de. O amém.

PS: Deprime-me o meu nível de cultura geral. Na verdade, só agora descobri que "egrégios" vem do latim "egrejiu", que significa "ovelha selecta". O que explica algumas coisas.

sexta-feira, novembro 07, 2003

Ibéria

Foi simpático da parte da Cepsa pintar Portugal num tom cinzento mais escuro.

De resto, os nossos distritos passaram a províncias espanholas. Já só falta a unificação política. Oxalá!

quinta-feira, novembro 06, 2003

O Contrabandista

Uma certa criatura acha que um príncipe seria sempre príncipe, mesmo que criado por camponeses, e um campones seria sempre campones mesmo que criado por reis.

Está neste momento detida por contrabando de diamantes.

A criatura tem razão. O sangue revela-se sempre, mais cedo ou mais tarde.

Razões para (Realmente) Amar Portugal

É fácil, a todos nós, enumerar várias coisas muito erradas em Portugal, como eu também fiz, aqui. É fácil decidir que não há emenda, as coisas são assim, sempre foram e sempre serão.

E depois tropeço no Carlos Paredes.

E o Ter que Ser Portugues passa, como por magia, de um fado, uma espécie de partida cruel do destino, para um acto de vontade. E decido que nunca poderia ser outra coisa.

Sou muito volúvel.

Ouvir Carlos Paredes e continuar a não desculpar os erros, os defeitos, os feitios portugueses é, para mim, um exercício tão difícil como, nas descobertas da adolescência, ler Álvaro de Campos e resistir à lógica de que o conhecimento e a infelicidade estão indissoluvelmente ligados.

Portugal é Carlos Paredes. Portugal não é Carlos Paredes.

quarta-feira, novembro 05, 2003

Do Portugal (Muito) Profundo

Esses lugares tétricos dos subúrbios com nomes idílicos ("Colina do Sol"...) fazem-me lembrar aqueles electrodomésticos antigos de gama baixa que, por o serem, eram sempre modelos "Deluxe".

As novas "urbanizações" (não percebo por que motivo não se chamam "suburbanizações"), pechisbeque em tudo, têm nomes de ruas dados por atacado, a partir de um molho qualquer de gente famosa, heróis e escritores (penso que o desgraçado do Cesário Verde é particularmente visado, não sei porquê).

Baptizar um espaço é uma ciência que se perdeu. Havia sempre qualquer razão perceptível para aquele nome. Em homenagem a essa ciência, recordo hoje alguns nomes de terras politicamente incorrectas.

Por exemplo, que tal um passeio fora de Lisboa, da Porcalhota a Ranholas (que, como sabem, é a terra onde se fixaram as pessoas que vieram de Nariz)? Convém que o regresso se faça pelas Asseadas (e não pela Porqueira, que é mais a norte).

Há terras de nome claramente socialista. Alto da Chã do Meio: uma maneira guterrista de agradar a toda a gente. Outros são de inspiração comunista, como Carvalhas Só. E há Portas Vermelhas (via Bloco de Esquerda). E há Portas do Barrão (que, como sabem, é o nickname de Durão Barroso).

E que tal viver na Picha (eu não disse "da", que isso são contas de outro rosário)? Se, e só se, tivermos uma Mama Grande por perto. Ou talvez uma Mama Parda. Ou mesmo uma Mamarrosa. Ok, pelo menos uma Mama da Pega. E é curioso notar que Babe é em Bragança, tal como Cabeço da Nua e Cabeço de Almofada. É por isso que as babes brasileiras estão lá. Na Cama da Porca. Com um Campo de Víboras ao lado. Pergunto-me o que farão. Anais? E os bragantinos todos naqueles Coitos e Lambedoiro... Aquilo é tudo um Cansadoiro, e só provoca Azias. Mas no fim, eles dizem: Gostei! E as brasileiras, quais Lobas Fartas, sorriem, Porreiras.

Mas as mulheres, o que sofrem? Esganadinha? Alto da Mulher Morta? Coitadinha? Escomungada? Pegas? Fazem-lhes tudo!

E muito sexo: Coito da Maria Esteves (coitadinha, nem privacidade tem) no Monte do Coito Grande? Regato da Coitada? E quem reza à Senhora do Coito? E o Coito da Enchacana? Hummm... E Coito do Doutor Marcelo (acho que não é esse...)? E o Coito da Lareira, tão romântico?

Mas também temos Amor, Beijinho, Vale do Beijanço, Pinheiro dos Abraços, Namorados, Amoroso, Pinhal da Amorosa, Fragas do Amor, Casal do Amor, Alegria, Felizes, Paixão. Tanta felicidade que uma pessoa nem sabe se mora no Monte Vale Paraíso de Baixo ou no Monte Vale Paraíso de Cima. E entra em Parafuso.

E os coitados dos habitantes de Angústias? E Aflitos? E Vale do Inferno Grande? Cabeço Muito Gordo? Barranco dos Magros? Degolados? Cruz do Morto? Asno Morto? Cadela Morta? Boi Morto? Penedo do Homem Morto? Ponte da Morte? Chão da Morte? Mortais da Outra Banda? Morte Negra? Mortais de Baixo? Mortais de Cima? Malada do Monte dos Mortos (mais conhecida por 3M)?

E tantas devoções: Senhora dos Verdes (para o Sporting, que bem precisa); Senhora dos Perseguidos; Senhora dos Perdidos (idem, para o Benfica); Senhora dos Esquecidos; Senhora dos Enfermos; Senhora dos Desamparados; Senhora dos Carneiros (quase todos nós); Senhora dos Azares; Senhora do Pranto; Senhora do Porto (para o dito); Senhora do Ó (junto à Fonte dos Til); Senhora do Leite; Senhora do Fastio (para quem está farto desta choldra); Senhora do Despacho; Senhora do Circo; Senhora do Carrasco (até esses, senhora?); Senhora do Carril (para a CP); Senhora do Ar (TAP); Senhora do Amor; Senhora do Alívio e Senhora das Necessidades; Senhora de ao Pé da Cruz; Senhora das Virtudes; Senhora das Areias; Senhora das Angústias; Senhora das Amoras; Senhora da Cunha (particularmente eficaz);

E há nomes que aparentemente são portugueses, mas que quererão dizer? Cocões do Concelinho? Crasto de Ciragata? Erinha Sosa? Enxabardinhas? Liçarças Fardosa? Pala da Paposa? Selada da Recusa?

E, no final, Está Tudo Bem.

terça-feira, novembro 04, 2003

A Agenda da Blogosfera

O JPH, do Glória Fácil acha impossível fazer uma "análise" da "agenda da blogosfera", que o Abrupto se propõe levar a cabo.

Vindo a proposta de quem vem, a análise será sempre política, e a escolha será sempre definida em função dos objectivos da agenda do Abrupto. É disto que estamos à espera. Nesse sentido, será "honesta", à sua maneira.

A análise "científica" é outra história, e JPH confunde esta com a outra. O JPH assume que a blogosfera é uma coisa de tal forma complexa que se torna impossível de analisar. O problema começa logo pelo conceito de "análise". O conceito de análise de JPH é tal que o resultado seria um espelho do objecto estudado, um mapa do tamanho do reino.

Ora analisar significa sempre seleccionar, cortar a fatia da realidade que queremos estudar. Dizer "a agenda da blogosfera" é definir em parte o objecto de análise. Dizer "quero analisar as referências ao Benfica em posts de 2003 nos 100 maiores blogs, usando a lista da Technorati em 1 de Dezembro" é definir um objecto de estudo. Não está errado nem é desonesto. E, sim, temos sempre "teses definidas na cabeça". Chamam-se hipóteses. Que serão, ou não, confirmadas pela análise. E, sim, se uma amostra estiver bem feita, podemos ver a floresta a partir da árvore. E não precisamos de contar cada folha de cada árvore.

Na resposta a O Vilacondense penso notar algum desconhecimento sobre a definição de amostras. O volume das amostras não depende da dimensão do universo, pelo que a blogosfera pode crescer para o infinito, que para o caso é irrelevante. A blogosfera é "radicalmente multifacetada"? Ok. Aumenta-se a amostra para reduzir a margem de erro devida à heterogeneidade da população. No problems. Quanto aos conteúdos: a análise de conteúdo incorpora um conjunto de métodos e técnicas suficientemente testados e aplicáveis aos mais diversos conteúdos. Até, sim, aos da blogosfera.

A isto, e a algumas coisas mais, chama-se método científico. É suposto que os jornalistas pelo menos já tenham ouvido falar nele. E que tenham menos certezas.

Fazer uma “análise” séria e honesta da "agenda da blogosfera" é possível. Tem-se em demasiado boa conta quem o acha uma impossibilidade absoluta. Desculpe-me JPH, mas escrever o espelho da sua frase era irresistível.

Concordo inteiramente com ovilacondense. Estes posts do JPH tem a sua própria agenda, conflitual com a de JPP. Também não me quero meter aí.

Repto aceite

"Fico optimista (bolas!) quando vejo textos destes. O primeiro passo para mudar algo e' fazer o diagnostico correcto. Agora faltam as solucoes..." Paulo "Bloguitica" Gorjão dixit.

Paulo: o problema é ligeiramente mais profundo. Textos como o que escrevi fazem parte do problema. E não há soluções. Estamos, portanto, num beco sem saída.

O meu post vem, humildemente, na linha de milhares de outros, muito mais bem escritos e fundamentados. As reacções são sempre idênticas. Os desesperados optimistas dizem: "ok. Temos uma base, um diagnóstico. Agora basta arregaçar as mangas e mudar isto." Os deprimidos da vida/miserabilistas/masoquistas adoram, porque justifica a sua inércia (estou entre estes). Total: 0.1% da população. Depois temos 90% que nem sequer sabe que há um problema. Os restantes 9.9% estão-se nas tintas ou beneficiam objectivamente com o problema. Em resumo, os diagnósticos apenas demonstram que não sabemos fazer mais nada. São, por isso, parte do problema.

Não há soluções. Se boa parte das responsabilidades do nosso estado de sempre se deveu à natureza das nossas elites, e se não é possível resolver muitos dos problemas sem elas, que soluções podemos ter? Só importar elites. Aposto que as espanholas não se importariam de serem importadas.

Quanto ao "enorme defice de civismo e de cidadania dos portugueses": isto decorre da iliteracia, por um lado, e da incapacidade de transmissão desses valores à sociedade por parte, novamente, das elites, que também não os praticam.

Há um fado da Amália com uma letra paradigmática: "Não peças demais à vida, aceita o que ela te der". Este fado espelha muito a atitude que o Estado Novo esperava do povo: a submissão, a vidinha sem risco... A prática da cidadania é contra este espírito, porque implica, quando necessário, o conflito.

Dizer que há um "enorme defice de civismo e de cidadania dos portugueses" e culpá-los por isso é o mesmo que não ter escolas e dizer: "estúpidos, não sabem ler". É ter como prato principal de discussão pública durante dias um pontapé dado por um concorrente num programa de televisão idiota e depois dizer: "estúpidos, não discutem o Orçamento de Estado".

Aqui está, caro Paulo Gorjão, a resposta ao repto. Creio que ganhei (Portugal perde, naturalmente), embora seja necessário esperar pela resposta do outro concorrente.

Onde posso recolher o meu prémio?

(amador...)





segunda-feira, novembro 03, 2003

Late night clues (sobre ser português)

Num cruzamento perto de minha casa há um pequeno espaço triangular de estacionamento, com uma entrada de sentido único que tem a vantagem de permitir fazer inversão de marcha a partir das ruas adjacentes de uma forma segura. Uma dessas ruas tem sentido proibido, o que obriga ao incómodo de dar a volta ao quarteirão.

Hoje usei aquele espaço para fazer inversão de marcha. Usei com dificuldade, porque um Mercedes estava literalmente estacionado atravessado na saída (que, para todos os efeitos, é uma via), o que me obrigou a alguma ginástica para sair pelo pouco espaço disponível. Pouco depois, o dono do Mercedes voltou, entrou no carro e, calmante, foi-se embora, pela rua de sentido proibido.

Há pessoas que têm uma fabulosa capacidade de síntese das pequenas coisas. Mais uma. Suspeito que são muitas.

domingo, novembro 02, 2003

A Ética da Ganância

Um leitor deste blog pergunta-me se acho mesmo que os Portugueses são piores que os outros, se na verdade não será tudo igual, e somos nós que deixamos cá o espírito crítico quando saímos.

Resposta relativamente séria, uma vez sem exemplo. Vejamos algumas das nossas características (lista não exaustiva):

  • Temos um território pequeno e fisicamente pobre, quer nas entranhas, quer no solo, quer na paisagem;

  • Estamos a muitos milhares de quilómetros do centro, e nem sequer estamos na rota para qualquer outro sítio;

  • Estamos entalados entre o mar que deveria ser o nosso destino (e só uma vez o foi) e uns vizinhos que não conhecemos e de quem por natureza desconfiamos;

  • O século XX acelerou a história do mundo mas, em metade desse período, tivemos um regime que parou a história em Portugal;

  • As nossas elites funcionam segundo uma ética da ganância, nunca se serviram das riquezas que por vezes chegaram para desenvolver sustentadamente o país;

  • Essas elites sempre menosprezaram o povo e o povo sempre lhes pagou ignorando-as;

  • Temos um nível de iliteracia absolutamente incompatível com a cultura e a técnica actuais;

  • O pouco de bom que temos é delapidado em favor do lucro imediato e fácil de alguns poucos;

  • Temos dos maiores níveis de corrupção da Europa, a todos os níveis da estrutura social;

  • Somos incapazes de diferenciar o que são relações pessoais e o que são relações institucionais, o que é a base para a nossa corrupção;

  • Temos uma concentração populacional junto das duas cidades principais digna de um país do terceiro mundo e esquecemos alegremente que há vida 50 quilómetros para lá do centro de Lisboa e Porto;

  • A suburbanização recente criou uma massa de gente sem referências urbanas, porque não as conhece, nem rurais, porque não as pode praticar, e por isso sujeita aos valores rascas que a televisão todos os dias lhe fornece em doses maciças;

  • O sistema de justiça, um dos principais pilares da democracia, sempre funcionou de forma iníqua;

  • A um mercado pequeno, que não permite economias de escala significativas e, por isso, preços mais baixos na generalidade dos bens, acresce a ganância da maioria dos agentes económicos, desde a mercearia ao hipermercado;


Temos pessoas geniais, lugares memoráveis, experiências sem preço. Como todos os países têm. Somos melhores que os espanhóis em algum saber fazer (o que é irrelevante, porque eles são muito melhores no saber vender). Mas não é suficiente. E cada vez será menos.

Hoje é Dia de Finados. Um belo dia para ler a sina de quem já sabemos o futuro.

Valores de Mercado 009/03

Já repararam que nos supermercados do grupo Jerónimo Martins (Pingo Doce, Feira Nova) não há Ovomaltine? Não vos parece bizarro? Não vos parece suspeito? Não vos preocupa? Que tem o grupo Jerónimo Martins contra o Ovomaltine? Ou que é que tem o Ovomaltine contra o grupo Jerónimo Martins?

Prometo desde já uma investigação exaustiva sobre o assunto. Uma comissão independente vai ser nomeada ainda esta semana.