Escrever para quê?
A aversão das nossas elites à concorrência aparece inopinadamente onde menos se espera. E, na verdade, também onde mais se espera. Tomemos como exemplo o Flor de Obsessão. Pedro Lomba, num dos últimos posts, resolveu assumir a defesa da classe dos escritores consagrados contra o vil assalto de "aspirantes", de uma forma tão tipicamente corporativa como, sei lá, o bastonário da Ordem dos Médicos utilizaria se o governo anunciasse aumento de vagas para medicina (o quê? A sério? Ele disse isso?).
Para Pedro Lomba, os "aspirantes" só podem ter três aspirações, nenhuma delas legítima aos seus olhos. As motivações nobres aparentemente apenas florescem entre os reconhecidos e os consagrados, de preferência amigos. Para Pedro Lomba, os verdadeiros escritores são criaturas completamente irrascíveis, sem quaisquer comportamentos sociais dignos, que ele tem a cruz de aturar, sofridamente. Boas pessoas, que ajudam as velhinhas a atravessar a estrada, nunca serão escritores, pelo que devem desde já desistir de tais veleidades.
Eu, pobre de mim, que apenas aspiro a escrever com um número aceitável de erros, tenho uma visão muito mais popular. Acredito que o livre acesso à produção literária aumentará globalmente o número de leitores (o que, desculpem, parece desejável) e que à maior quantidade de praticantes corresponderá a um maior número de resultados interessantes. E talvez possamos, mutatis mutandis, acreditar que, se as drogas leves levam às drogas duras, também a literatura light poderá levar à redenção da literatura calórica.
"Ninguém nos manda ler Lermontov. Isso não faz de nós pessoas melhores ou 'pessoas especiais'. Nenhum nimbo de superioridade. Nenhuma pureza. Quem não lê está no seu direito. Se calhar, até está melhor." Lomba dixit. Cof, cof, cof. Estes ataques de tosse ainda acabam comigo. Variação do "Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso (...)". Pobre de quem pensa...
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