domingo, novembro 02, 2003

A Ética da Ganância

Um leitor deste blog pergunta-me se acho mesmo que os Portugueses são piores que os outros, se na verdade não será tudo igual, e somos nós que deixamos cá o espírito crítico quando saímos.

Resposta relativamente séria, uma vez sem exemplo. Vejamos algumas das nossas características (lista não exaustiva):

  • Temos um território pequeno e fisicamente pobre, quer nas entranhas, quer no solo, quer na paisagem;

  • Estamos a muitos milhares de quilómetros do centro, e nem sequer estamos na rota para qualquer outro sítio;

  • Estamos entalados entre o mar que deveria ser o nosso destino (e só uma vez o foi) e uns vizinhos que não conhecemos e de quem por natureza desconfiamos;

  • O século XX acelerou a história do mundo mas, em metade desse período, tivemos um regime que parou a história em Portugal;

  • As nossas elites funcionam segundo uma ética da ganância, nunca se serviram das riquezas que por vezes chegaram para desenvolver sustentadamente o país;

  • Essas elites sempre menosprezaram o povo e o povo sempre lhes pagou ignorando-as;

  • Temos um nível de iliteracia absolutamente incompatível com a cultura e a técnica actuais;

  • O pouco de bom que temos é delapidado em favor do lucro imediato e fácil de alguns poucos;

  • Temos dos maiores níveis de corrupção da Europa, a todos os níveis da estrutura social;

  • Somos incapazes de diferenciar o que são relações pessoais e o que são relações institucionais, o que é a base para a nossa corrupção;

  • Temos uma concentração populacional junto das duas cidades principais digna de um país do terceiro mundo e esquecemos alegremente que há vida 50 quilómetros para lá do centro de Lisboa e Porto;

  • A suburbanização recente criou uma massa de gente sem referências urbanas, porque não as conhece, nem rurais, porque não as pode praticar, e por isso sujeita aos valores rascas que a televisão todos os dias lhe fornece em doses maciças;

  • O sistema de justiça, um dos principais pilares da democracia, sempre funcionou de forma iníqua;

  • A um mercado pequeno, que não permite economias de escala significativas e, por isso, preços mais baixos na generalidade dos bens, acresce a ganância da maioria dos agentes económicos, desde a mercearia ao hipermercado;


Temos pessoas geniais, lugares memoráveis, experiências sem preço. Como todos os países têm. Somos melhores que os espanhóis em algum saber fazer (o que é irrelevante, porque eles são muito melhores no saber vender). Mas não é suficiente. E cada vez será menos.

Hoje é Dia de Finados. Um belo dia para ler a sina de quem já sabemos o futuro.