A vida sem televisão I
Casa nova e experiência radical: comprar um televisor barato e atirá-lo para um canto, fora do espaço social. Riscar do menu de actividades caseiras "ver televisão confortavelmente". Heresia de duvidosa longevidade, dizem-me.
A experiência da primeira semana foi estranhíssima. Fazemos o fazíamos anteriormente mas, quando acabamos, são dez da noite, não são duas da manhã. Deduzo, por isso, que, sem televisão, o ano passa a ter 14 meses (4 horas por dia vezes 365 dias).
Outro fenómeno curioso é a desestruturação do tempo. Mesmo que não estejamos a olhar para ela, a televisão marca o ritmo da noite. Há o antes e o depois do Telejornal. Sem a televisão à vista, perdemos a noção do tempo, e para saber as horas é mesmo necessário olhar para um relógio.
Organizámos o espaço social de forma a ocupar os lugares onde o televisor poderia ficar. Agora não é possível encontrar espaço para ele, a não ser que mudemos tudo. Não compensa. O espaço também parece aumentar. O televisor é como um eucalipto que suga todos os pontos focais à sua volta. Corta-se o eucalipto e descobre-se um mundo. Outra vantagem de ter a televisão num anexo é podermos atirar para lá também as crianças dos amigos.
Manda a boa educação que se apague o televisor quando se recebem visitas. Mas é da natureza do televisor estar ligado, e não faz sentido ser de outro modo. Um televisor não é um pisa-papéis. Não é nada agradável partilhar o mesmo espaço com um televisor desligado. É como estar ali alguém amordaçado, todos fingindo que não dão por nada mas sentindo olhos acusadores nas costas. A solução é, por isso, tirá-lo de onde possa atraír o olhar.
Como ocupar o tempo e os olhos? Net, net, net. Rede wireless, à lareira. E o tradicional: livros, música e o que mais vier. À lareira.
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