Marx para o terceiro milénio
"O homem que só encontrou o reflexo de si mesmo na realidade fantástica da televisão, onde buscava um super-homem, já não se sentirá inclinado a encontrar somente a aparência de si próprio, o não-homem, já que aquilo que busca e deve necessariamente buscar é a sua verdadeira realidade.
A televisão não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a televisão: este é o fundamento da crítica contra a televisão. A televisão é a autoconsciência e o autosentimento do homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta sociedade, engendram a televisão, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A televisão é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de consolo e de justificação. É a realização fantástica da essência humana porque a essência humana carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta contra a televisão é, indirectamente, a luta contra aquele mundo que tem na televisão seu aroma espiritual.
A miséria da televisão é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. Ver televisão é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o ópio do povo.
A verdadeira felicidade do povo implica que a televisão seja suprimida, enquanto felicidade ilusória do povo. A exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões. Por conseguinte, a crítica da televisão é o germe da critica do vale de lágrimas que a televisão envolve numa auréola de santidade.
A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas para que se liberte das cadeias e apanhe a flor viva. A crítica da televisão desengana o homem para que este pense, aja e organize sua realidade como um homem desenganado que recobrou a razão a fim de girar em torno de si mesmo e, portanto, de seu verdadeiro sol. A televisão é apenas um sol fictício que se desloca em torno do homem enquanto este não se move em torno de si mesmo.
Assim, superada a crença no que está além da verdade, a missão da história consiste em averiguar a verdade daquilo que nos circunda. E, como primeiro objectivo, uma vez que se desmascarou a forma de santidade da autoalienação humana, a missão da filosofia, que está ao serviço da história, consiste no desmascaramento da autoalienação nas suas formas não santificadas. Com isto, a crítica do céu televisivo converte-se na crítica da terra, a crítica da televisão na critica do direito, a crítica da comunicação social na crítica da Política. "
Karl Marx, "Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel"
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