quinta-feira, setembro 25, 2003

O esquema

Portugal não é um país a sério porque, simplesmente, não há relações institucionais entre as pessoas. As instituições caem aos portugueses como fatos mal-amanhados, dois números acima e canela à mostra.

Como não há relações institucionais, todos vivemos de esquemas, o que, basicamente, significa que temos um conjunto mais ou menos vasto de amigos jeitosos que nos resolvem os problemas com as instituições "amigavelmente", seja para obter uma licença, seja para entrar numa organização. Há certos lugares em que isto é tão evidente e espesso, que devia ser quantificado com uma daquelas estações de análise da poluição atmosférica.

No fundo somos todos amigos e a amizade desculpa a responsabilidade e, como as instituições são irrelevantes, nunca ninguém é culpado de coisa alguma. Se o é, é tolo (porque não soube cultivar as amizades certas) ou "teve azar", serviu como bode expiatório e não é telegénico.

Os esquemas são transversais à sociedade. Um trolha e um "doutor" têm os seus esquemas, com graus diferentes de sofisticação, é certo, mas baseados nos mesmos princípios. Como o "doutor" consegue declarar menos IRS que o trolha, leva-o ao tapete logo ao primeiro assalto. O trolha, no segundo assalto (vários sentidos), passa a arrumar carros e transforma-se em "mitra", mantendo o "doutor" em respeitinho e obrigado à redistribuição de riqueza em suaves prestações de 50 cêntimos. Mas divago.

Há razões estruturais para esta ausência de relações institucionais: nunca foi feito um desmame sério da sociedade de Antigo Regime e, no século XX, continuámos todos a ser muito silvestres, muito economia de troca (de favores), graças a Deus a ao senhor Salazar, e por aí vamos, com o rabo entre as pernas, consumindo mais anti-depressivos porque vivemos em São Marcos do Cacém suspirando por São Marcos da Serra.

Isto cruza-se com um dos principais problemas actuais, que é a ausência das elites, porque supostamente seriam elas que difundiriam valores e dariam exemplos. Temos uma elite rançosa do Estado Novo, discreta e que faz o que quer, e uma elite nova, ignorante e rasca, de valores tão frescos quanto o dinheiro, muito visível nos média e que transmite valores TVI (e SIC, e RTP, e 24 Horas e etc, etc, etc). E não temos escolas de elites, pelos menos para a administração do Estado, porque a esquerda é estúpida, as universidades são cobardes e os estudantes acham que vencer na vida é ser seleccionado entre os 150.000 que concorrem ao Big Brother. Os estudantes da parte baixa da pirâmide estão fodidos sem o perceberem, os da parte de cima estão-se nas tintas.