sexta-feira, julho 30, 2004

Paisagens inviáveis

Impressiona-me o modo como os extremismos linearizam a realidade, expurgando-a da sua inevitável complexidade para sobre ela construírem um discurso baseado em uma ou duas ideias simples que são repetidas à exaustão, recortando sempre a realidade para que a coisa faça sentido. É como nos filmes: "boy meets girl" e a história está feita.

O extremismo liberal, aplicado aos fogos florestais, como o faz João Miranda aqui é um exemplo típico. Numa curiosa versão verde da mão invisível, JM argumenta que o Estado, ao financiar a reflorestação, cria zonas contínuas de biomassa (de que se alimentam os fogos), o que, em consequência, cria condições para fogos maiores.

Se o Estado deixasse o mercado (desculpem, a floresta) em paz, uma mão invisível criaria os equilíbrios adequados. Uma biomassa descontínua provocada por pequenos fogos em concorrência perfeita não permitiria as condições para uma biomassa monopolista.

O corolário é, naturalmente, que o Estado deixe de se meter onde não é chamado, não apague os fogos e, sobretudo, não financie o que, numa resposta a um comentário, JM chama poeticamente de "paisagens inviáveis".

Neste beatífico mundo do laissez faire, é convenientemente esquecido que as práticas de produtores e consumidores não estão de acordo com o modelo e não tomam as decisões supostamente racionais.

Os fundamentalistas liberais só usam na sua cartilha um modelo económico simplificado. Se ouvem falar de "protecção de ecossistemas" sacam do revolver. Se lhes falam de erosão ou processo de desertificação física, assobiam para o lado. Assobiam sempre para o lado cada vez que se lhes complica o modelo introduzindo-lhe realidade.

A ratazana neo-liberal alimenta-se, para mal dos nossos pecados, da incompetência, incúria, desresponsabilização e ganância de vários dos actores desta farsa rasca mil vezes repetida. E que gorda que ela anda!