Objectos falantes
Na estante, a olhar-me, está um urso de peluche. O meu urso de peluche. Sobreviveu estoicamente à minha infância, sofreu o degredo numa qualquer caixa de memórias e só este ano foi reabilitado. Tomou banho e foi sentar-se na estante, encostado à colecção do "Em Busca do Tempo Perdido" (é suposto que isto tenha um simbolismo, que ainda não tive tempo de elaborar). Globalmente, está em bom estado. Tem os dois olhos e farto pêlo, o que não é dizer pouco de um bicho com décadas.
Lembro-me apenas de meia dúzia de brinquedos de infância, e penso que não tive muitos mais. Preferia claramente os insectos. Gostava de caçar abelhas com caixas de fósforos, provocar lutas entre formigas, fazer corridas de gafanhotos ou observar os bichos-da-seda comendo as folhas de amoreira.
Quando não tinha insectos, a caixa de costura da minha mãe era um autêntico baú de tesouros escondidos. Os carrinhos de linha de plástico, mais pequenos, competiam com pilhas em provas de velocidade ou distância, enquanto os maiores, de madeira, justificavam um tunning, isto é, um motor feito de uma rodela de borracha, uma de sabão, e um galho. A fita métrica também tinha a sua utilidade (enrolava-a e desenrolava-a vezes sem conta enquanto observava os bichos-da-seda).
Naqueles tempos, os objectos diziam-me "toys R us".
(Há uns tempos, vi uma criança no seu quarto forrado de brinquedos entretido com uma embalagem de desodorizante tipo roll-on vazia. Os objectos ainda falam, desde que deixemos as crianças ouví-los.)
<< Home