terça-feira, outubro 19, 2004

Small talk

Já tropeçaram, no Sitemeter, num anúncio de uma coisa chamada Freedom Center? No banner é escrita a frase "That mexican guy is pretty smart." Num segundo momento, a palavra "mexican" é riscada. O slogan é "Help stamp out prejudice".

O que não percebi é por que motivo não é riscado "guy" (preconceito sexista, devia ser substituído por "person") e mesmo "smart" (preconceito "smart"-ista, não sei o que o deveria substituir).

Correndo o risco de parecer demasiado liberal, deveríamos apenas dizer "That is pretty", embora reconheça alguma razão aos puristas, que mostram como "That" é preconceito de espaço/quantidade (por contraponto a this/these/those), "is" é preconceito de tempo (por contraponto a "was") e "pretty" é novamente preconceito de quantidade.

Na verdade, deveríamos apenas dizer "", embora tal possa representar um grave preconceito contra «».

Pequenos protestos 3

Fomos à província e tentámos estacionar onde a GNR não estava a permitir o estacionamento. Eles lá tinham as suas razões, que não nos pareceram óbvias. Quando passámos a pé pelo mesmo local estava, naturalmente, ocupado. Fiz questão de comentar para os amigos, junto de um GNR como era interessante a flexibilidade das proibições naquela terra. Atrás ouvi um rosnar "vem para cá armar-te em parvo, vem!".

Era um GNR da velha escola, e resolvi não replicar. A sova na esquadra eu ainda aguentava, mas imaginar-me objecto de reportagem da TVI pareceu-me demasiado bárbaro.

Pequenos protestos 2

Este fim de semana, estava com amigos na esplanada. A namorada resolveu tirar uma bola daquelas máquinas de um euro de onde sai uma inutilidade qualquer. Desta vez, tratou-se de um carrinho com comando, pilhas incluídas e tudo. Um pequeno entrave à completa satisfação do consumidor: o carro e o comando estavam de tal forma engelhados pelo sol que nem as rodas estavam no sítio, nem as pilhas cabiam no comando.

Reacção naturalmente portuguesa: "Oh!, que pena!, era tão giro para o meu sobrinho! Assim não serve para nada! Ainda bem que abrimos a bola antes de lha oferecer!". Ninguém se lembrou de protestar.

Bom, eu lembrei-me (odeio protestar, como todos os portugueses, e odeio-me por não protestar quando tenho razão para lá de qualquer dúvida legítima).

Não protestei muito. O empregado já tinha várias bolas devolvidas pelos clientes e que aparentemente já vinham com defeito do fornecedor.

E foi assim que ganhei um euro (não, não o devolvi à namorada).

Pequenos protestos 1

O canal ARTE vai passar para o serviço digital da TV Cabo, o que implica a compra de uma caixa adicional ou um aluguer. E assim, de pulhice em pulhice, a TV Cabo vai esvaziando a oferta que contratou, até deixar apenas os canais de vómito, que aliás já estão em maioria.

Quem quiser protestar, poderá fazê-lo para fraude@tvcabo.pt. É bom saber que a TV Cabo tem uma caixa de correio tão descritiva da sua política comercial.

terça-feira, outubro 12, 2004

O Triunfo dos Porcos

A Quinta das Celebridades é o programa mais visto da televisão portuguesa.

Santana Lopes continua a desbravar novas fronteiras da democracia, introduzindo a sã concorrência no estafado conceito de "tempo de antena".

pocilgas na Assembleia, mas a matança do primeiro a aparecer foi rápida e eficaz. Infelizmente, a lição vai ser aprendida pelos outros que vão manter-se undercover.

quinta-feira, outubro 07, 2004

Dúvidas Existenciais

É possível exigir a um Governo que não foi democraticamente eleito que se comporte democraticamente?

Quem é este PPD que aparentemente nos governa e que eu não me lembro de ver recentemente nos boletins de voto?

Quem elegeu esta gentinha que usa vasos de guerra para parar uma traineira aborteira e os negócios do Estado para calar um pescador de águas profundas?

Quantas vichyssoises teremos ainda de aturar?

Trova do Vento que passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

(...)

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.


Manuel Alegre

(recordo este poema dedicando-o, nesta hora difícil, ao camarada Marcelo Rebelo de Sousa)

segunda-feira, outubro 04, 2004

Conheço-te a ti próprio

Bisturi O meu Amável Leitor já se terá cruzado com uma daquelas criaturas que aparentam viver no propósito de dissecar, analisar e, em geral, escarafunchar nos nossos traços de personalidade mais particulares, com o fim último de os extirpar como a um dente podre. Chamam Amizade a essa nobre tarefa. É inútil explicar-lhes que as pancadas de cada um devem ser acarinhadas e mesmo acompanhadas de reforço positivo (um torrãozinho de açucar, por exemplo), porque são elas que salpicam de cor o cinzento dos nossos dias (suspiro).

Um destes dias o Amável Leitor tem a mirabolante ideia de convidar uma dessas criaturas para almoçar. Pega no telefone e...

- Olá, vamos alm...

- "Olá"??? Esse "Olá" dito assim, nesse tom, isso traz água no bico. Sim, que eu já te conheço muito bem. É mesmo o tom de "Olá" que usas quando queres algumas coisa. Realmente, Jorge, é mesmo típico de ti! És tão previsível! Repara como tu... (... duas horas depois...) E afinal porque telefonaste?

O Leitor acorda de repente e dá-lhe para bater palmas mas repara que não está no fim da peça. É apenas a sua deixa para dizer alguma coisa. Desacautelado, suspira de alívio neste final do arrazoado: uma pergunta simples que exige uma resposta simples e imediata. Nada mais errado. Deverá, antes do mais, entender que não se trata de uma pergunta, mas de uma estratégia para ganhar fôlego e obter mais munições (dadas pelo Leitor, seja qual for a sua resposta). Saiba que está encurralado. Nenhuma resposta é suficientemente inteligente, subtil, sarcástica, simples ou singelamente verdadeira para calar a criatura.

A única solução possível é a fuga. Se ligou de um telemóvel, provoque ou simule problemas de rede. Se ligou de um telefone fixo (erro crasso!) grite "ai as torradas!" e desligue.

Para a próxima, não telefone, envie um SMS. Marque o almoço para uma esplanada com vista de mar e disfrute à vontade da amizade que a criatura construiu para ambos (não se preocupe, que o sol entorpece-lhe a veia psicanalítica e ficam livres para falar de arte, ciência, viagens...).

Pode ser muito agradável ter criaturas assim como amigas. Basta analisar, dissecar e, em geral, escarafunchar nos seus traços de personalidade mas mantendo o bico calado.

(Cito Groucho Marx de memória: "Mas chega de falar de mim. Vamos falar de si. O que é que você pensa de mim?")